Assuntos como racismo, equidade de gênero, mudança climática e direitos humanos interessam a colaboradores; pesquisas apontam que a neutralidade põe em xeque a credibilidade de uma marca
O ativismo pulou os muros e entrou nas organizações. A bandeira é defendida pelos colaboradores, que não cobram apenas boas condições de trabalho. Eles querem mais. Na mesa de negociações, não é o salário que está em pauta. São questões complexas como racismo, equidade de gênero, mudança climática e direitos humanos. Eles querem ouvir dos empregadores uma posição clara sobre cada um desses assuntos. E o teor da resposta é o que define se irão continuar contribuindo com as suas atividades naquela organização. E não vale dizer que a empresa é apolítica: a desculpa não cola mais no século 21.
A cobrança pelo ativismo e envolvimento com os problemas sociais não é uma onda passageira. Pesquisas apontam que deixou de ser tendência e que a voz dos colaboradores está fazendo muito barulho e até ensurdecendo as lideranças mundo afora. É o que demonstra uma pesquisa realizada pelo escritório de advocacia Herbert Smith Freehills.
Cerca de 80% das empresas ouvidas no estudo previam aumento no ativismo da força de trabalho. E as perguntas sobre o propósito de uma organização e seu impacto no mundo estão no topo das exigências profissionais, conforme um relatório baseado em conversas com 40 diretores de RH de empresas globais.
O levantamento é fruto de sete anos de estudo junto às lideranças. Foram realizadas 62 entrevistas semiestruturadas com funcionários ativistas e líderes empresariais de vários setores e empresas no mundo todo. Todo o trabalho foi dividido em seis grupos de investigação cooperativa e no envolvimento com mais de mil participantes de conferências e workshops, bem como uma ampla revisão de literatura específica, todos realizados em 2020.
O relatório contou ainda com uma pesquisa quantitativa global, entre novembro de 2020 e junho de 2021, com mais de 1,5 mil funcionários intersetoriais e inter-herárquicos da Europa, Ásia, Austrália e América do Norte. Os responsáveis pelo estudo também acompanharam um grupo de investigação cooperativa de ativistas e fizeram 40 entrevistas adicionais, além de várias conferências e workshops.
Mudanças de valores no trabalho
A própria tecnologia contribuiu com o posicionamento dos funcionários no que diz respeito a questões sociais. As mídias sociais deram voz aos funcionários, que fazem pressão em cima dos empregadores e desafiam o status quo.
A geração dos millennials representa agora o maior número na força de trabalho e está disposta a lutar por mudanças. O Edelman Trust Barometer 2021 aponta que 86% dos entrevistados esperam que CEOs se pronunciem publicamente sobre questões sociais. Além disso, 68% pensam que as lideranças devem intervir quando o governo não o faz. A inação das autoridades é sentida pelos respondentes. E eles acreditam que os líderes devem desafiar o sistema e correr atrás do prejuízo, assumindo responsabilidades que são do governo.
As lideranças precisam agora reagir ao novo comportamento dos colaboradores porque há uma parte da força de trabalho que está disposta a mudar de emprego em virtude da falta de movimentação das chefias em relação aos problemas da sociedade.
Em 2020, Brian Armstrong, CEO da plataforma de negociação de criptomoedas Coinbase, manifestou-se dizendo que os colaboradores que buscam trabalhar numa empresa com foco no ativismo estariam melhor em outra empresa. A sugestão foi levada ao pé da letra por 5% dos colaboradores, que pediram demissão.
Não se trata de um caso isolado. Ano passado, Jason Fried, CEO da companhia de software Basecamp, estabeleceu que não haveria mais “discussões sociais e políticas na conta da empresa”. Resultado: quase 1/3 dos funcionários pediu para sair.
No Google, em 2018, colaboradores organizaram uma greve global motivada pela forma como a empresa lidou com casos de assédio sexual.
Nem as ONGs escapam. Funcionários da agência humanitária International Rescue Committee manifestaram na imprensa que seus chefes estavam “comprometidos com a colonialidade”.
Como os líderes estão reagindo frente à pressão?
De acordo com o levantamento que citamos acima, as respostas das lideranças sobre o ativismo dentro das organizações foram divididas em seis grupos:
1) Nenhum: o ativismo nunca esteve em pauta.
2) Supressão: esse mal deve ser cortado pela raiz, para não crescer.
3) Ação de fachada: “vamos apenas dizer a coisa certa mas não precisamos fazer nada”.
4) Engajamento defensivo: O que dizem os advogados? Vamos fazer apenas o que é necessário para não afetar nossa imagem, como treinamentos e elaboração de relatórios sobre diversidade.
5) Engajamento dialógico: convida os colaboradores a sentarem-se à mesa para discutir as questões. O objetivo é compreender pontos de vista diferentes e tomar uma decisão coletiva frente ao ativismo.
6) Ativismo estimulante – estão dispostos a assumir o papel dos ativistas e acredita que envolver-se com questões socioambientais faz parte da sua missão.
Cartilha
A pesquisa também elaborou um conjunto de ações que devem ser feitas pelos colaboradores com o intuito de ajudar as lideranças a tratarem desse tema nas organizações. Veja os principais pontos sugeridos no estudo:
– Discuta suposições e julgamentos sobre o ativismo: os líderes precisam compreender o que esse tema significa para os colaboradores e quais são as expectativas e causas que o time gostaria de abraçar.
– Descubra o que realmente importa para os funcionários: crie um clima organizacional seguro para que os colaboradores não tenham medo de dizer o que, para eles, realmente importa.
– Não diga que a organização é apolítica: a neutralidade não é uma explicação que agrada colaboradores e a sociedade civil organizada.
Consumidores também querem empresas socialmente comprometidas
Várias pesquisas também sugerem que os consumidores preferem marcas que escolhem causas para defender.
– Um estudo do Sprout Social demonstra que 66% dos consumidores querem que as marcas se manifestem sobre questões políticas e sociais.
– A Edelman avalia que 64% dos consumidores tomam decisões de compra com base no fato de uma marca estar alinhada com suas crenças pessoais
– A Barron’s informou que quase 60% dos consumidores desejam que as empresas se manifestem em relação às questões sociais.
– Em levantamento da Cone Communications, 87% dos entrevistados afirmaram que compraram um produto porque a empresa defendeu uma causa com a qual eles se identificavam.
– Em uma pesquisa de Porter Novelli, os executivos afirmaram que as empresas “devem abordar” assédio sexual (97%), igualdade racial (93%), direitos das mulheres (89%), crescimento do emprego doméstico (86%) e questões de privacidade e segurança (84%).
Como vimos neste post, há evidências que comprovam que as empresas não podem mais cruzar os braços e ignorar a mudança de comportamento das pessoas: abordar questões sociais, econômicas e culturais é uma forma de criar valor e construir uma reputação positiva perante formadores de opinião pública e toda a sociedade.