Ser um eterno aprendiz vai além de aprimorar competências, conhecimentos e habilidades: conceito está relacionado também ao desapego de teorias clássicas do universo da gestão
“O analfabeto do século 21 não será aquele que não sabe ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender”. Essa frase é do futurista Alvin Toffler e diz muito sobre o momento de tantas disrupturas que estamos vivendo.
No passado, as pessoas escolhiam uma carreira, ingressavam na universidade e, cinco anos mais tarde, com o diploma nas mãos, buscavam uma oportunidade no mercado de trabalho. Lá, galgavam novos cargos e aprimoravam os conhecimentos por meio de cursos de pós-graduação. Quem não é filho de pais ou conhece alguém, na casa dos 60, 70 anos, que se aposentou no mesmo emprego que iniciou sua jornada?
Essa regra, que valia há algumas décadas atrás, não funciona mais. Hoje, as pessoas não trocam só de empresa, mas de carreira, mais de uma vez ao longo de sua trajetória profissional. Até mesmo os mais conservadores, que seguem na mesma empresa, precisam passar por vários processos de reinvenção.
Para o professor Heitor Coutinho, da Fundação Dom Cabral (FDC), para sobreviverem a um mundo onde as transformações sociais, econômicas e tecnológicas são rápidas e constantes, as organizações vão se destacar justamente por meio da taxa de aprendizagem do seu corpo técnico. Na prática, significa que aquelas que tiverem gestores capazes de aprender mais terão vantagem competitiva. Outro aspecto relevante, segundo ele, é a capacidade da equipe de saber desaprender, ou seja: desapegar de conceitos de gestão ultrapassados.
“A estratégia clássica, que está presente nas organizações há mais de 60 anos, precisa ser redefinida. A mentalidade empresarial, que se reflete na mentalidade dos líderes, está presa a uma cultura enraizada de que o mundo é estável e, portanto, que é possível fazer previsões a longo prazo”, explica Heitor Coutinho.
O especialista salienta ainda que os gestores precisam desaprender duas palavras: planejamento a longo prazo e previsão. “Elas devem ser substituídas por descobertas e adaptação. Essas são as bússolas da gestão em tempos de imprevisibilidade”.
Caminhos das pedras
E para se conectar às novas tecnologias, ferramentas ou mudanças de comportamentos e crenças, os gestores atuais precisam mudar o modelo mental e adotarem um novo estilo de vida: o lifelong learning, que na tradução para o português significa “aprendizagem para a vida”.
Outro professor da FDC, Sigmar Malvezzi, explica que o conceito de lifelong learning, é, na atualidade, largamente difundido, legitimado e aplicado na capacitação profissional. Essas duas possibilidades alertaram a sociedade para a diferenciação na equação ensino-aprendizagem. “Hoje, capacitadores e aprendizes se perguntam, “aprender para ser aprovado no próximo exame, ou para realizar tarefas específicas, ou aprender para expandir e aprofundar a bagagem cultural, crítica e comunicativa?”. Pode-se aprender um novo idioma, por exemplo, para suprir a necessidade imediata de comunicação. Neste caso, aprende-se de modo precário, mas suficiente para a adaptação a alguma situação social e execução de tarefas. Igualmente, pode-se aprender um novo idioma priorizando a compreensão e solução de comunicações complexas com estética, precisão e criatividade, visando servir, não somente, demandas imediatas, mas criando competências para o futuro”, diz ele.
Na visão do professor Malvezzi, a diferença entre aprender para realizar bem alguma tarefa e aprender para o contínuo enriquecimento da própria potencialidades de adaptação, que define o lifelong learning, expõe o alcance e a fertilidade possíveis das trajetórias de desenvolvimento, propostas na sociedade atual. “ O lifelong learning é um estilo de vida no qual o indivíduo pode trilhar trajetórias de aprendizagem, visando o aperfeiçoamento de seus desempenhos, ou a atualização de suas informações, assim como pode trilhar trajetórias de aprendizagem visando a compreensão profunda e ampla do mundo para se habilitar a responder às demandas da inserção de si mesmo, de grupos e de empreendimentos nesse mundo”, afirma.
Sigmar Malvezzi acrescenta ainda que a “aprendizagem para a vida” atua na capacitação para o desempenho existencial e profissional pelo foco na integração criativa de informações, cognições, intuições, interlocuções e críticas visando o protagonismo do próprio indivíduo.
Eterno aprendiz
O aprendizado contínuo é o novo modelo de educação para o século 21. Diversos estudos apontam o lifelong learning como o novo diferencial dos profissionais. O relatório do Futuro do Trabalho do Fórum Econômico Mundial coloca o “Reskilling” no centro das mudanças. Cada vez mais, será exigido da força de trabalho novas habilidades e competências, a capacidade de adaptação para o exercício de novas funções ou o conjunto de estratégias organizacionais para desenvolvimento e requalificação de pessoas.
Mesmo em tempos de alto avanço tecnológico, o mercado precisa de capacidades cada vez mais humanas. Basta lembrar, afinal, que são de carne e ossos os seres que fazem a curadoria das learning machines.
Manter a curiosidade e as portas da mente aberta vai além de cursos – seja de curta ou longa duração – e passa por mentorias, palestras, conversas com pessoas de perfis diferentes, ver filmes e séries, ler livros, visitar museus e até aprender coisas que não estão relacionadas à sua profissão, como cozinhar, pintar telas ou cultivar orquídeas.
O que vale é ampliar seus horizontes. Afinal, o mundo é do tamanho que sua própria mente enxerga. E expandir sua visão, significa ampliar seu universo.